RESTINGA MUSICAL

Este modesto espaço tem como objetivo permitir que um apaixonado por música compartilhe seus gostos e reflexões sobre o mundo musical com seus amigos e visitantes.

sábado, junho 24, 2006

UM VISIONÁRIO NORDESTINO - PARTE I - A PELEJA DE UM CANTADOR CONTRA OS "MEDALHÕES" DA MPB

Assim surge o nosso "herói". Nascido na cidade paraibana de Brejo do Cruz, perdeu o pai muito cedo, mas não ficou abandonado pois contava com seu AVÔHAI(avô e pai). Até que este também se foi e , mesmo assim, não abandonou o protagonista de nossa história. O velho, lá do além, soprou uma música nos ouvidos do neto, ao mesmo tempo que repetia AVÔHAI – avô e pai! O rapaz, respeitoso e obediente, guardou o presente que foi lhe dado por seu querido avô. Obviamente ele não tinha dúvidas em relação ao nome da canção, que viria a ser o seu primeiro sucesso, abrindo-lhe portas que antes teimavam em se conservarem fechadas.
Antes do sucesso iniciado com AVÔHAI, o nosso humilde herói passou por maus momentos na metrópole do Rio de Janeiro, longe de sua terra natal. Fez o caminho antes percorrido por muitos de seus conterrâneos e compartilhou o drama de um grande número de nordestinos, obrigados a abandonar sua terra, assolada pela praga da ambição humana. Culpam Deus ou a natureza por estas desgraças , mas o nosso cantador certamente sabia que homens corruptos, ambiciosos e insensíveis são os verdadeiros vilões desta história.
Na "capital cultural do país", passou fome, dormiu em bancos de praça e se prostituiu para sobreviver. Mais tarde falaria sobre este drama numa de suas mais belas músicas: "Minha profissão é suja e vulgar, quero pagamento para me deitar." A maré começa a mudar. Um produtor maravilhado pergunta se nosso cantador tinha outras músicas além de AVÔHAI. É apresentada uma fita demo com as pérolas "Chão de Giz" e "Vila do Sossego". Não demoraria para que esses três sucessos capitaneassem o primeiro álbum do nosso herói, que recebeu o título ZÉ RAMALHO.
A genialidade do compositor Zé Ramalho se confirmaria em seu antológico segundo disco, A PELEJA DO DIABO COM O DONO DO CÉU, que trazia obras que marcariam toda a sua carreira como "Beira-Mar", "Garoto de Aluguel(Taxi Boy)", "Jardim das Acácias", "Frevo Mulher" e o hino "Admirável Gado Novo". Canção que fez sucesso no seu lançamento e dezessete anos depois, quando a sua inclusão na trilha sonora de uma novela televisiva trouxe-a de volta para as rádios e para a boca do povo.
Daí para frente, o cantador conquistou cada vez mais espaço. Outros discos geniais se seguiram, mas a sua peleja estava apenas começando. Apesar de seu talento incontestável como compositor e cantor, os grandes especialistas em MPB nunca levaram nosso humilde herói muito a sério. Sua música é considerada por estes "detentores do bom gosto" como exótica, mística e cheia de imagens desconexas. Cobravam de Zé Ramalho o racionalismo e a crítica política clara e aberta. Simplesmente não compreendiam suas críticas cheias de símbolos e metáforas. Não aceitavam o seu tom profético e visionário, tão compreensível para quem veio da cultura nordestina e não negava esta cultura. O "misticismo" do povo simples do sertão nordestino felizmente continuava correndo nas veias de Zé Ramalho!
Os críticos respeitavam apenas a música que se encaixasse em determinados modelos. A vertente do samba, uma verdadeira imposição cultural do Rio de Janeiro para o resto do Brasil, era um dos modelos aceitos. Outro era a bossa nova, para os críticos símbolo de requinte musical. Além disso, os grandes medalhões da MPB como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, com os seus discursos racionalistas e de crítica política, eram o grande exemplo a ser seguido. Nosso cantador não se adequava a esses cânones culturais. Sua música continuava tipicamente nordestina, forte, intensa e com personalidade própria. Ironicamente, este era o principal motivo para a sua não aceitação pelos veículos culturais do sul e sudeste. Também contribuía para isso o preconceito contra os nordestinos e a sua cultura popular. Não esquecer que nordestinos como Caetano e Gil eram aceitos porque flertavam claramente com o samba e a bossa nova.
Nosso herói atravessou os anos oitenta enfrentando o desprezo dos críticos de "bom gosto" e considerado "cult", música para uns poucos fanáticos. Apesar de ignorado pela crítica, a sua força junto a população crescia cada vez mais, inclusive no sudeste. Esta peleja não estava perdida! O envolvimento cada vez maior com as drogas, no entanto, foi um novo golpe, muito difícil de assimilar. Chegou o momento mais crítico desta história. O compositor ainda tinha a mesma força, mas o intervalo entre os álbuns começa a se tornar maior. Parecia que os dramas pessoais, somados ao desprezo e preconceito da crítica começavam a abater nosso herói. A virada para os anos noventa foi atribulada, mas esta nova década traria novos ânimos para o nosso cantador!
Essa história continua no próximo capítulo...
P.S. : No próximo episódio desta peleja, o nosso herói finalmente começa a obter reconhecimento e seu sucesso, principalmente com o público jovem, aumenta vertiginosamente! Confira também uma pequena análise dos principais álbuns deste gênio de música brasileira! Até a próxima!

quarta-feira, junho 14, 2006

PAUSA PARA O FERIADÃO

Um abraço aos amigos e ilustres visitantes. Neste final de semana, ficarei devendo um novo post. Terei a oportunidade de curtir o frio gostoso de São Pedro da Serra, na região serrana do Rio de Janeiro. Não poderia perder esta viagem pois se trata de uma data especial. Neste dia 16, minha esposa e eu comemoramos dez anos de relacionamento, contando os três e meio de namoro e os seis e meio de casamento.
Na próxima semana, estarei de volta, falando sobre um compositor e cantor brasileiro, da boa "terrinha" nordestina, que é um verdadeiro visionário. Aguardem!

sexta-feira, junho 09, 2006

DESORDEM E PROGRESSO - PARTE II



Continuamos nossa jornada através do rock progressivo. Como apontamos no final do último post, uma das principais características deste gênero é o diálogo com a música clássica. Isto ocorre em dois aspectos primordiais. Em primeiro lugar, os compositores das bandas progressivas buscaram a grandiosidade ao dialogarem com a música erudita. É inegável a procura do rock progressivo pela grandeza das sinfonias e das óperas. Quem ouviu a desconcertante canção ATOM HEART MOTHER do Pink Floyd, ou CLOSE TO THE EDGE, do Yes ou ainda a magnífica SUPPER’S READY, do Genesis, terá que admitir que se tratam de grandes (inclusive na duração) sinfonias progressivas. Com certeza estas bandas ambicionavam atingir o gigantismo dos clássicos e, diga-se de passagem, foram muito bem sucedidas.
Outro aspecto que aproximou o rock progressivo dos clássicos foi o virtuosismo. Nas suites e concertos clássicos, os músicos virtuosos podem exibir todo o seu talento. De certa forma, concertos para piano, violino e outros instrumentos parecem ser escritos propositadamente para que o talento de seus executores possa ser apreciado por platéias, sempre ávidas por demonstrações de perícia e paixão musical. Algo muito parecido ocorre com os músicos das bandas progressivas. Nas grandes "suites" progressivas, estes músicos virtuosos podem nos impressionar com seus enormes solos de guitarra, teclados e, até mesmo, de bateria. Os tecladistas Rick Wakeman (Yes) e Keith Emerson (ELP) tornaram-se verdadeiras lendas com seus sintetizadores, moogs e demais parafernálias. Guitarristas como David Gilmour (Pink Floyd) , Steve Howie (Yes) e Steve Hackett (Genesis) não ficam para trás. Sem falar na unanimidade do baterista Neil Peart, do Rush.
Cabe ressaltar que estas características do progressivo, a busca pela grandiosidade e o virtuosismo dos músicos, são duramente criticadas pelos detratores deste gênero musical. Fanáticos por outros subgêneros de rock acusam os progressivos de fazerem músicas entediantes, longas em excesso e sem melodias definidas. Afirmam que as canções são meras desculpas para os músicos exibirem seu virtuosismo vazio. Uma crítica que considero exagerada e injusta. A maior parte das "suites" e "sinfonias" progressivas são melodicamente coerentes, possuem conteúdo e brilho próprios, independentes do virtuosismo musical que as perpassam.
Ainda há uma terceira conexão entre o progressivo e a música clássica, que deixei para analisar separadamente. As bandas progressivas elevaram à décima potência a idéia de álbum conceitual, não apenas em termos musicais, mas também em relação a temática e as letras. Um exemplo máximo é o arrebatador disco do Pink Floyd, DARK SIDE OF THE MOON. Nesta obra, tanto a musicalidade, quanto as letras sugerem claramente o objetivo de fazer um grande estudo sobre a loucura. Semelhante as óperas, com seus "climas musicais" e seus libretos sugerindo ao público uma temática específica. Os progressivos trazem as suas grandes óperas rock, onde um tema perpassa tanto as melodias quanto as letras de álbuns inteiros.
Por fim, retornaremos a querela "progressivo X psicodélico". A esta altura, o nosso leitor já formou sua própria opinião sobre o assunto. Se levarmos em conta as características supracitadas, podemos concluir que o Pink Floyd, por exemplo, pode sim ser considerada uma banda progressiva. A busca pela grandiosidade (no álbum Atom Heart Mother), o virtuosismo dos músicos, principalmente de Gilmour, e os álbuns conceituais são marcas inconfundíveis do progressivo. Obviamente, os "floyds" possuem outras características e, em muitos momentos, se aproximam da psicodelia. No entanto, se expandirmos o conceito de rock progressivo, como fazem alguns especialistas, o Pink Floyd ganha um rótulo curioso: PROGRESSIVO ESPACIAL! Um subgênero de rock progressivo que engloba elementos psicodélicos sem deixar de ser música progressiva.
Muitos admiradores sinceros não aceitam estas subdivisões, que oferecem o perigo de pulverizar o conceito, criando modalidades absurdas como o progressivo eletrônico. Estes só consideram progressivo o que os adeptos das subdivisões chamam de PROGRESSIVO SINFÔNICO. Esta é a idéia de rock progressivo que norteou este texto. É basicamente o estilo das duas bandas consideradas os "papas" do progressivo, o GENESIS e o YES. Mesmo nesta visão mais "estreita", o Pink Floyd é inegávelmente progressivo, ainda que possua momentos não progressivos em sua carreira.
Poderia abordar ainda outros temas importantes ligados ao rock progressivo, mas aí sim seria um virtuosismo vazio. Nossa "suite" já cumpriu o seu papel, as demais discussões ficam para outras oportunidades!
PS: Para quem quer sair da teoria para a prática, ouça os álbuns FRAGILE, do Yes, FOXTROT, do Genesis e DARK SIDE OF THE MOON, do Pink Floyd. Talvez os três maiores álbuns do progressivo!

sábado, junho 03, 2006

DESORDEM E PROGRESSO - PARTE I




Para o público em geral, o rock não passa de "bate estacas". Isto não vale só para leigos, muitos apreciadores deste gênero consideram que o bom rock deve ser, primordialmente, marcado pela levada agressiva e a tão falada "atitude". Esse estereótipo acabou prevalecendo e, em função disso, esta música apaixonante sofre uma série de preconceitos e não é levada a sério por muitos especialistas de "bom gosto".
O rock passou a ser sinônimo de música primária, melodicamente pobre, composta e interpretada de forma medíocre. A tal "atitude" simplesmente compensaria a falta de qualidade musical e a gritaria dos cantores e vocalistas seria uma compensação para a sua falta de talento. Sem falar nas letras, sempre vistas como infantis ou sem sentido. E o pior de tudo: considera-se, no senso comum, que só exista um tipo de rock, que é sinônimo de muito barulho e pouca qualidade.
Nem entrarei no mérito das qualidades de muitas bandas que fazem o "bate estacas". Quem conferir o álbum que analisei no meu primeiro post, verá que nem todo rock agressivo é pobre, tanto em termos melódicos quanto em relação as letras. Mas o principal preconceito que quero jogar por terra é que todo rock é igual. Para quem conhece(não estarei falando nenhuma novidade), sabe-se que há muitos subgêneros do rock e que muitos deles são tão diferentes entre si, que cultivam até inimigos na própria cena rockeira.
O "tipo" de rock que mais aprecio é o chamado ROCK PROGRESSIVO. Nascido em algum momento misterioso entre os anos 60 e 70, é um estilo de rock único. A brincadeira em relação ao momento em que o progressivo surgiu faz referência à dificuldade de precisá-lo com exatidão. Reza a lenda que a música A DAY IN THE LIFE do clássico álbum "Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band", dos BEATLES, seria a gênese do rock progressivo. Muitos especialistas discordam desta versão, afirmando que a referida canção não é progressiva, mas psicodélica. Alguns entendidos sustentam que o "álbum branco"(The White Album), também dos Beatles seria a origem do progressivo. Outros afirmam que tal início teria ocorrido com os primeiros discos do PINK FLOYD. Há aqueles, entretanto, defendendo que a música dos "Floyds" é psicodélica e não progressiva. Novamente a polêmica sobre o que é progressivo e o que é psicodélico aparece!
Os nossos estimados leitores já estão percebendo a dificuldade, não apenas em determinar a origem do gênero, mas, principalmente, em defini-lo e separá-lo de outros estilos de música. Apresentarei, a seguir, algumas das características principais do rock progressivo e próprio leitor poderá formar a sua visão sobre estas polêmicas e construir o seu próprio conceito a respeito do referido gênero.
O rótulo rock progressivo é aplicado para muitas coisas diferentes, mas acredito que seja possível discernir algumas características centrais. Em primeiro lugar, é um gênero que tem por princípio quebrar conceitos tradicionais do rock. Se o rock , em sua origem, sempre foi associado à dança ou a batida que produz o movimento quase instintivo do corpo, o progressivo vem e, deliberadamente, o dissocia da dança. É uma música que sugere à reflexão e as viagens da mente. Se o rock, a princípio, era a música das melodias simples e curtas, o progressivo traz estruturas melódicas elaboradas e difíceis, em músicas que podem atingir os 43 minutos do duração!
Se as letras rockeiras sugerem a simplicidade e referências ao sexo, os "libretos" do rock progressivo trazem uma diversificação enorme de temas, onde podem figurar os assuntos como a medievalidade, ficção científica, mitologia, história, química, filosofia e por aí vai... A sofisticação das letras acompanha a sofisticação musical.
Em resumo, o rock progressivo tem como primeira característica subverter os cânones do rock. É uma música subversiva , em seu sentido mais profundo, superando a tradição para levar o rock a um nível de sofisticação e complexidade inimagináveis para os criadores deste gênero musical. Ainda que a superação do rock tradicional signifique, parodoxalmente, dialogar com as formas mais tradicionais de música, como a música clássica.
No próximo post, falaremos de outros pontos centrais do progressivo e aprofundaremos questões levantadas neste "primeiro movimento". A nossa "suite" progressiva continua!