CELEBRANDO A VIDA!

Na segunda metade da década de 90, Milton Nascimento enfrentou o drama causado por doença que avançou rapidamente, tornando o nosso rechonchudo cantor numa figura quase esquelética em pouco tempo. Os boatos começaram. Muitos afirmavam convictos que Milton estava com AIDS e que seus dias estavam contados. Cheguei a presenciar o choro de uma professora da UERJ, lamentando que aquele cantor tão maravilhoso morreria prematuramente em função da temível e terrível doença. Na época tinha poucas informações a respeito e me preparei para receber a notícia de seu falecimento a qualquer momento. Era irônico, pois eu tinha me apaixonado pela obra deste mestre da música brasileira há pouco tempo. Confesso que fiquei bastante decepcionado.
O tempo passou, e meu envolvimento com as questões da faculdade me afastou um pouco do assunto. Até que fiquei sabendo que a doença nada tinha a ver com a AIDS. Seria uma manifestação incomum de um tipo de diabetes. Depois ouvi as palavras do próprio Milton afirmando que estava se recuperando e que estava magoado com aqueles que haviam inventado o maldoso boato da AIDS. Pouco tempo depois desta entrevista, fiquei sabendo do álbum "Nascimento". Sim, uma nova obra de Milton Nascimento estava chegando, dessa vez reverenciada pelo Grammy de melhor álbum de World Music.
Na verdade, "Nascimento" era um renascimento do cantor. Melhor, uma reinvenção e, acima de tudo, uma reconciliação com a vida. Foi realmente um novo nascimento para o Milton. A tradicional boina foi abandonada e surgiu um Milton ainda muito magro em função da doença, mas com os cabelos e cabeça totalmente a mostra. A novidade não era só visual. Em termos musicais, o álbum trazia elementos das festas religiosas de Minas Gerais. Uma profusão de instrumentos de percussão, lembrando as festas de rua das comunidades negras mineiras e sua junção com as celebrações católicas. Milton se reconcilia com os tambores de Minas, busca em suas próprias origens o material para o seu renascimento.
O show "Tambores de Minas", lançado após o álbum "Nascimento", traz esta reconciliação de Milton Nascimento com a vida e com a cultura popular mineira. O espetáculo se inicia com as palavras do cantor, fazendo referência aos problemas que enfrentou e anunciando que aquele show é uma celebração à vida. Há uma concepção teatral em cada detalhe do espetáculo. Nove jovens atores, cantores, bailarinos e acrobatas participam o tempo todo. As roupas deste elenco representam as vestes dos participantes das festas religiosas mineiras. Todos eles tiveram aulas de canto e de percussão e fazem bonito durante o espetáculo.
O repertório mistura faixas do álbum "Nascimento" com grandes sucessos da carreira do cantor. O resultado final do espetáculo é emocionante. A entrega de Milton é total. É visível a sua emoção em cada canção. Ainda mais notável em músicas como "O Rouxinol", que diz o quanto a música o ajudou a superar seus piores momentos, e em outras canções como "Nos Bailes da Vida" e "Canções e Momentos" que falam sobre a arte de cantar.
Confesso que quase fui às lágrimas em muitos momentos. A energia do cantor, a forma como se sente feliz quando está com o seu público, a celebração da vitória da vida sobre a morte, a beleza das inigualáveis melodias criadas pelo mestre e seus grandes parceiros, e a interpretação emocionada são elementos que podem dar uma idéia da grandiosidade deste show.
Abri o texto dizendo que gostaria de ter estado no lugar das pessoas que assistiram aquele show ao vivo. Fica a lição. Na próxima vez que tiver a oportunidade de assistir a um show deste que é, na minha opinião, o maior cantor deste país, não deixarei passar novamente. Não importa a distância e os perigos que nos esperam em cada esquina das grandes cidades brasileiras. Mas, talvez tenha sido melhor só assistir a "Tambores de Minas" em DVD. Se eu tivesse estado lá, provavelmente não conseguiria conter as lágrimas como consegui em casa. E teria passado a maior vergonha! Um abraço a todos os amigos!